NOTÍCIAS ENTRELINHAS
Reportagem revela uma história escabrosa
Por Luciano Martins Costa em 13/02/2012
Comentário para o programa radifônico do OI, 13/2/2012
A revista CartaCapital desta
semana mata a charada do Pinheirinho e cria um desafio do qual os grandes
diários de circulação nacional não podem escapar, sob pena de lançarem mais uma
pá de terra sobre o jornalismo brasileiro.
CartaCapital fez apenas o óbvio: foi investigar a verdadeira história do
terreno, na cidade de São José dos Campos, cuja desocupação, autorizada pela
Justiça, produziu cenas de violência contra cerca de 1.500 famílias sem moradia
legal.
A conclusão é simples: a omissão das
autoridades, a decisão judicial e a operação policial compõem um conjunto no
qual o Estado se coloca a serviço do notório especulador Naji Robert Nahas,
contra os direitos mais fundamentais de milhares de brasileiros.
Tese da legalidade
Na madrugada de 22 de janeiro, um
domingo, ou seja, há menos de um mês, a Polícia Militar irrompeu no terreno
ocupado irregularmente e retirou os moradores de suas casas, tangendo-os para
fora do perímetro da propriedade. Em seguida, máquinas contratadas pelos
administradores da massa falida da indústria de café Selecta, suposta
proprietária, arrasaram as casas, destruindo móveis, utensílios domésticos,
documentos e recordações daquela gente.
Houve muita controvérsia, movida
essencialmente por cidadãos indignados através das redes sociais. Na chamada
grande imprensa, um silêncio apenas quebrado aqui e ali por manifestações
esporádicas de articulistas. Num desses artigos, publicado numa quarta-feira,
1/2, na Folha de S.Paulo, o senador Aloysio Nunes Ferreira (PSDB-SP)
procurou defender o governo paulista batucando na tese da legalidade da ação
policial.
Em outra manifestação, publicada em
6/2, a secretária de Justiça Eloisa de Souza Arruda também defendeu a
desocupação, em entrevista ao Estado de S.Paulo, dizendo, entre
outras coisas, que as autoridades apenas cumpriram a lei e que os ocupantes do
Pinheirinho “sabiam que estavam em propriedade alheia” e nunca pagaram os
impostos. (No caso, o “alheio” se refere ao suposto proprietário, o especulador
Naji Nahas e ou seus credores.) Declarou também que “por trás da massa falida
(de Naji Nahas) tem funcionários de empresas que esperam há anos seus débitos
trabalhistas”.
A imprensa tendeu a apoiar a tese da
legalidade da ação policial, omitiu de seus leitores os abusos cometidos por
PMs e seguranças particulares depois da desocupação e esqueceu o assunto.
A serviço de Nahas
Dizíamos, neste Observatório,
na terça-feira (7/2, ver “Os direitos de uns e de outros”), que “um
jornalismo decente iria comparar o caso Pinheirinho com a presteza da Justiça e
a sanha policial na reintegração de posse de terrenos públicos, por exemplo.
Uma pauta minimamente honesta iria buscar as diferenças de tratamento que a
Justiça e a polícia dão, por exemplo, a casos como o de Pinheirinho e os das
ricas propriedades de veraneio que ocupam terrenos da Marinha ou invadem
trechos da Mata Atlântica em todo o litoral do país”.
Pois bem: CartaCapital acaba
de demonstrar que a pressa da Justiça em mandar devolver o terreno à massa
falida da Selecta tem muitos aspectos suspeitos. Os repórteres da revista
realizaram o trabalho que o resto da imprensa brasileira não soube ou não quis
fazer: foram examinar a história do terreno que é reclamado por Nahas e
descobriram fortes indícios de que a Justiça foi vítima ou cúmplice de um
típico “cambalacho”.
Além das velhas suspeitas de
grilagem, diz o texto, sobram provas de que o especulador tentou de muitas
formas burlar o pagamento de impostos e nunca usou o terreno para outra coisa
além de apresentá-lo como garantia para a obtenção de empréstimos bancários.
Nahas se celebrizou por montar uma
pirâmide financeira que levou à bancarrota a extinta Bolsa de Valores do Rio de
Janeiro, em 1989, e voltou ao noticiário policial em 2008, ao ser preso na
chamada Operação Satiagraha.
A reportagem faz o histórico do
terreno de 1,3 milhão de metros quadrados, conhecido anteriormente como Campo
dos Alemães, que abrigava a comunidade do Pinheirinho. Deveria ter se transformado
em propriedade do Estado, mas foi parar nas mãos de Naji Nahas em 1981, ainda
em contrato precário.CartaCapital demonstra claramente que todos os
movimentos de Nahas na Justiça se deram no sentido de impedir a venda do
terreno em leilão público.
A retirada dos moradores pobres deve
valorizar ainda mais o imóvel, que, segundo demonstra a reportagem, não
precisava entrar na conta dos débitos da Selecta para que fossem pagos os
direitos trabalhistas apontados como justificativa para a reintegração de posse.
De mesma forma, não havia outro motivo para tanta pressa na desocupação do
imóvel – a não ser como forma de atender ao desejo de lucro do especulador.
Demonstrado pela revista que o único
beneficiário da decisão judicial e da ação da Polícia Militar foi Naji Nahas,
aguarda-se algum interesse dos jornais em terminar de contar essa história
escabrosa.
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