O fim da privacidade
Por Carlos Eduardo
Lins da Silva em 31/01/2012
Uma das transformações radicais que a internet e seus subprodutos têm operado na maneira como as pessoas vivem e se relacionam se refere a um valor cultural que se estabeleceu por pelo menos dois séculos na maior parte das sociedades do mundo ocidental: o direito à privacidade.
As empresas que exploram o ciberespaço obtêm vantagens para ampliar seu
faturamento em relação diretamente proporcional à sua capacidade de invadir a
privacidade do maior número possível de pessoas, de modo a poder conhecer seus
hábitos e lhes oferecer produtos.
Aliás, é curioso como o ambiente da internet continua sendo enxergado
por milhões como o reino da liberdade, da quase anarquia, onde tudo parece ser
de graça, em contraposição ao universo da cobiça, do lucro a todo custo que é a
imagem dominante da chamada “velha mídia”.
A revelação do estilo de vida dos proprietários do website Megaupload,
que permite que se baixem músicas, filmes e outros conteúdos sem pagar direito
autoral, após sua prisão na Nova Zelândia há alguns dias, mostra que essa gente
supostamente libertária sabe fazer dinheiro com grande competência, e eles nem
estão entre os maiores magnatas desse mundo.
Garantia constitucional
Grande parte das pessoas nascidas a partir de generalização da internet
– e em especial das mídias sociais – parece não dar a menor importância para a
sua própria privacidade e está disposta a abrir mão dela por quase qualquer
coisa: acesso a filmes ou músicas, cupons de ofertas, recomendações de produtos
em geral ou mesmo a simples possibilidade de fazer novos contatos pessoais na
rede.
Facebook e similares conseguiram conjugar exibicionismo e voyeurismo com
tanta competência que milhões de adolescentes não demonstram mínima inibição ao
expor a conhecidos superficiais, ou até a estranhos, intimidades em palavras e
imagens sem medir consequências potencialmente nefastas para o seu futuro
profissional, doméstico ou amoroso.
Esta naturalidade com que a exposição de intimidade é encarada sem
dúvida recebe considerável reforço também de veículos de comunicação
tradicionais, como as emissoras de TV que transmitem reality shows,
uma versão turbinada do que se pratica nas redes sociais.
Quem abre mão de sua privacidade parece não entender que além das
empresas que fazem dinheiro com as informações sobre si tornadas públicas,
outras entidades – inclusive do Estado – podem ter acesso a elas por meio de
várias formas de tecnologia.
Na semana passada, por exemplo, a Suprema Corte dos EUA decidiu que
quando a polícia coloca um aparelho de GPS no carro de um suspeito para
acompanhar seus movimentos, ela está infringindo o direito à privacidade, que
naquele país é garantido pela Constituição, em sua emenda número 4.
Outra sociedade
O fim da privacidade – que se verifica diariamente nas mais diversas
formas, como, por exemplo, na disseminação cada vez maior de câmeras de
segurança em infindáveis locais públicos – é muitas vezes justificado como um
preço a pagar pelo aumento da segurança pública.
Como já muita gente não dá a menor bola mesmo para a preservação da sua
própria intimidade, mesmo quando a sua segurança não está em risco, é difícil
que haja uma reação social significativa contra a audácia cada vez mais ousada
de aparelhos do Estado para invadir a privacidade de cidadãos.
Não é possível prever que tipo de sociedade emergirá quando a maioria de
seus integrantes for formada por esses que ainda são jovens e que decidiram que
a privacidade não é um valor digno de ser preservado. Mas ela certamente será
muito diversa daquela que existe agora.
[Carlos Eduardo Lins da Silva é jornalista]
Fonte: Observatório da Imprensa
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Você que está visitando o blog, não deixe seu pensamento nas entrelinhas: Comente, discuta e exponha aqui a sua opinião.